quinta-feira, 28 de abril de 2011

AFINIDADE



A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos.
O mais independente.

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.
Afinidade é não haver tempo mediando a vida.

É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro.

Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.

Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar.
Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.

Só entra em relação rica e saudável com o outro, quem aceita para poder questionar.
Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar, não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é.
E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso.
Isso é afinidade.
Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceita o outro como ele é. Por isso, aliás, questiona.
Questionamento de afins, eis a (in)fluência.
Questionamento de não afins, eis a guerra.

A afinidade não precisa do amor. Pode existir com ou sem ele.
Independente dele. A quilômetros de distância.
Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.
Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar, por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos.
Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos, veremos ou falaremos.

Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem para buscar sintomas com pessoas distantes, com amigos a quem não vemos, com amores latentes, com irmãos do não vivido?

A afinidade é singular, discreta e independente, porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu o vínculo da afinidade!
No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação exatamente do ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas nem pelas pessoas que as tem.

Por prescindir do tempo e ser a ele superior, a afinidade vence a morte, porque cada um de nós traz afinidades ancestrais com a experiência da espécie no inconsciente.
Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós, para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes.
Sensível é a afinidade.
É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido.
Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau, porque o que define a afinidade é a sua existência também depois.
Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai conseguir restituir o clima afetivo de antes, é alguém com quem a afinidade foi temporária.
E afinidade real não é temporária. É supratemporal.
Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta, ou a ilusão de que as vivências daquela época eram afinidade.
A pessoa mudou, transformou-se por outros meios.
A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas, plantios de resultado diverso.

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças, é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas, quantos das impossibilidades vividas.
Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou, sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida, para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais, a expressão do outro sob a forma ampliada e refletida do eu individual aprimorado.


(Arthur da Távola)

Sensibilidade Inteligente



Pessoas que às vezes querem me elogiar chamam-me de inteligente. E ficam surpreendidas quando digo que ser inteligente não é o meu ponto forte e que sou tão inteligente quanto qualquer outra pessoa. Pensam, então, inclusive que estou sendo modesta. É claro que tenho alguma inteligência: meus estudos o provaram, e várias situações das quais se sai por meio da inteligência também provaram. Além de que posso, como muitos, ler e entender alguns textos considerados difíceis. Mas muitas vezes a minha chamada inteligência é tão pouca como se eu tivesse a mente cega. As pessoas que falam da minha inteligência estão na verdade confundindo ''inteligência'' com o que chamarei agora de ''sensibilidade inteligente''. Esta, sim, várias vezes tive ou tenho. E, apesar de admirar a inteligência pura, acho mais importante, para viver e entender os outros, essa ''sensibilidade inteligente''. Inteligentes são quase que a maioria das pessoas que conheço. E sensíveis também, capazes de sentir e de se comover. O que, suponho, eu uso quando escrevo, e nas minhas relações com amigos, é esse tipo de sensibilidade. Uso-a mesmo em ligeiros contatos com pessoas, cuja atmosfera tantas vezes capto imediatamente. Suponho que este tipo de sensibilidade, uma que não só se comove por assim dizer pensa sem ser com a cabeça, suponho que seja um dom. E, como um dom, pode ser abafado pela falta de uso ou aperfeiçoar-se com o uso. Tenho uma amiga, por exemplo, que, além de inteligente, tem o dom da sensibilidade inteligente, e, por profissão, usa constantemente esse dom. O resultado então é que ela tem o que eu chamaria de ''coração inteligente'' em tão alto grau que a guia e guia os outros como um verdadeiro radar.


(Clarice Lispector, a musa)

terça-feira, 26 de abril de 2011

Sobre as oportunidades



"Quando uma oportunidade bater à porta, vá com ela. Faça desta uma lei fundamental: em vez do velho, sempre escolha o novo." (Osho)

Com o (meu) coração (todo) aberto



Às vezes, na estranha tentativa de nos defendermos da suposta visita da dor, soltamos os cães. Apagamos as luzes. Fechamos as cortinas. Trancamos as portas com chaves, cadeados e medos. Ficamos quietinhos, poucos movimentos, nesse lugar escuro e pouco arejado, pra vida não desconfiar que estamos em casa. A encrenca é que, ao nos protegermos tanto da possibilidade da dor, acabamos nos protegendo também da possibilidade de lindas alegrias. Impossível saber o que a vida pode nos trazer a qualquer instante, não há como adivinhar se fugirmos do contato com ela, se não abrirmos a porta. Não há como adivinhar e, se é isso que nos assusta tanto, é isso também que nos dá esperança.

É maravilhoso quando conseguimos soltar um pouco o nosso medo e passamos a desfrutar a preciosa oportunidade de viver com o coração aberto, capaz de sentir a textura de cada experiência, no tempo de cada uma. Sem estarmos enclausurados em nós mesmos, é certo que aumentamos as chances de sentir um monte de coisas, agradáveis ou não, mas o melhor de tudo, é que aumentamos as chances de sentir que estamos vivos. Podemos demorar bastante para perceber o óbvio: coração fechado já é dor, por natureza, e não garante nada, além de aperto e emoções mofadas. Como bem disse Virginia Woolf, “não se pode ter paz evitando a vida.


(da linda e sensível Ana Jácomo)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Se você quer conhecer o mundo...



... olhe pra dentro de você.
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Bebel Clark

Poderosa arte



Delicadeza. A vida segue por aí.
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Bebel Clark

Dando espaço ao novo em minha vida



"O que prevalece agora é essa maneira nova de sentir a vida.
Essa perspectiva que me faz admirar, incansáveis vezes, antigas preciosidades.
Essa vontade de bendizer tantas maravilhas.
Esse sentimento de gratidão pelas coisas mais simples que existem.
Esse jeito mais amigo de ouvir meu coração.
O que prevalece agora é essa apreciação mais desperta,
que me permite reinaugurar flores e céus e pessoas no meu olhar.
Essa graça que encontro, de graça, nos detalhes mais singelos.
O que prevalece agora é a confortável suposição de que, por trás de tantas e habituais nuvens, esse contentamento faz parte da nossa natureza.
Os problemas, os desafios, as limitações, não deixaram de existir. Deixaram apenas de ocupar o espaço todo."

(Ana Jácomo)